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Uma história sobre leilão judicial

 

O interesse por leilões judiciais nunca foi tão grande. E cresce cada vez mais. A possibilidade de ganhos reais e acima da média causa enorme expectativa. Entretanto, o fascínio inicial não raro é sucedido pelo receio.

E isso parece consequência do pouco conhecimento acerca do assunto. A falta de debate e de material didático em linguagem simples e acessível sobre o tema colaboram para isto.

Entender o que faz uma casa de leilões especializada em hastas públicas e expropriações talvez colabore para a compreensão de como funcionam os leilões judiciais ou hastas públicas. 
 

É possível pensar que tudo se resumiria ao leiloeiro gritar a famosa frase  "quanto me dão" após oferecer mercadorias valiosas a preços convidativos e, após intensas disputas, sacramentar com o tão esperado  "Arrematado!".

Não é tão simples assim.

Para ilustrar melhor o nosso cotidiano, vale contar uma pequena história que envolve, com a compreensão da generosa leitora e do benevolente leitor, paixão, fúria e Justiça.

"PAIXÃO: Cedo do dia, caminhava eu pela Avenida Paulista ouvindo em um radinho de pilhas as novidades do time de futebol de minha predileção quando, de repente, vem a notícia de que o técnico que adoro, a quem credito toda a glória da equipe nos últimos anos, foi inexplicavelmente demitido. Fico desnorteado. Indignado. Bravo. Muito bravo. Confuso.

FÚRIA: De mau humor, comecei a caminhar bruto, pesado. De repente, na altura da Rua Brigadeiro Luiz Antonio, me deparei com Cosette. Passeadora de cães, a moça conduzia em coleiras dois pequenos chihuahuas. Vinha no sentido contrário ao meu. Em minha direção.

Então, o pior aconteceu. Cosette não desviou. Não desviou! Se manteve em linha reta. Colidimos. Trombamos eu, a moça e os chihuahuas.

Ou melhor, eu os atropelei. E pisei violentamente no pequeno pé direito da jovem. Sem me importar com a dor ou lamento de Cosette, continuei a andar sem sequer olhar para trás. Não pensei em pedir desculpas. Muito menos em socorrê-la.

Enquanto Cosette chorava e era socorrida para o hospital onde foram diagnosticadas fraturas em três dedos que a impedem de exercer a profissão de passeadora, eu cheguei ao escritório e convoquei uma reunião imediata.


Demiti a todos os funcionários da empresa. E decidi não pagar os direitos trabalhistas de ninguém.

Não bastasse, deixei de pagar o empréstimo que tomara no banco em busca de capital de giro.

E deixei de pagar o Fisco, claro.

Com a pequena poupança que ainda me restava, organizei um movimento contra a direção do meu time amado. Aquela mesma que havia demitido "meu" técnico preferido.

Mandei fazer faixas de protesto e repúdio, contratei banda de música e ônibus para levar o pessoal, comprei sanduíches de mortadela e coxinhas para distribuir entre os que fomos protestar. Porque estava decidido. E pouco sabido.

JUSTIÇA: Após o barulhento e infrutífero protesto, todo meu dinheiro acabou.


Cosette procurou um bom advogado que em seu nome me processou.
Foi à Justiça pedir e obter a justa reparação dos danos que causei e por meses impediram Cosette de exercer a profissão que ama.

R
espondi ao processo dizendo que não sou malvado ou bravo; que só tive um dia de azar, pedi desculpas e roguei para que não me condenassem a indenizá-la. 

Perdi. 

A excelente Juíza decidiu que Cosette estava certa e me condenou a pagar uma indenização de 1.000,00 Denários. 

Mas eu não tinha esse dinheiro porque, como sabido, gastei toda minha poupança.

Me restou apenas uma caneta de ouro, que costumava levar no bolso da camisa.

Em busca de apurar os 1.000,00 Denários necessários para reparar Cosette, a Juíza determinou a penhora, avaliação e venda da tal caneta.

Depois da penhora e avaliação, a Juíza nomeou uma casa de leilões de sua confiança para organizar os atos de venda da caneta. Indicou-a para 'conduzir as hastas públicas'
 

Acontece que meus ex-funcionários também procuraram bons advogados que me processaram e ganharam.

Cada um deles tinha mais de 2.000,00 Denários a receber.

Seus advogados pediram e obtiveram a ordem judicial para penhora, avaliação e venda da tal caneta.
 

E em busca de receber os 25.000,00 Denários que se acumulavam dia a dia, o banco, que nunca dorme e já tinha a caneta gravada com hipoteca, logo me processou para exercer sua garantia e pediu para a Justiça penhorar e vender a tal caneta.

 

Assim também fez o Fisco.
 

Voltemos ao processo de Cosette.
 

Competiu à casa de leilões responsável por organizar as hastas públicas diligenciar para verificar se todos os atos processuais necessários a garantir o livre exercício dos famosos "contraditório" e "ampla defesa" me foram assegurados.
 

Ou seja, se eu sabia o valor que me era cobrado e a que título, se fui intimado de que a caneta foi penhorada, se tomei conhecimento do valor pelo qual seria oferecida, se me foi conferida a oportunidade de questionar tudo isto no processo.
 

Verificou, por outro lado, quais incidentes ou recursos foram apresentados no curso do processo e se haviam sido julgados ou ainda aguardavam decisão.
 

Além disto, a casa de leilões ficou responsável por identificar todos os demais interessados no resultado do leilão da caneta.
 

Descobriu, assim, a existência dos credores trabalhistas, do banco e do Fisco com direitos a pleitear.
 

Lhe coube cientificar cada um destes acerca da realização das hastas públicas, a fim de que pudessem oferecer habilitação de seus créditos no julgamento do destino do produto da venda da caneta.
 

Ficou a encargo da casa de leilões, ainda, a ampla divulgação e publicidade dos atos. Foi executado um eficiente plano de mídia, com peças e ações nas mais diferentes plataformas.
 

E o departamento jurídico da casa de leilões ofereceu atendimento para todas as pessoas que mostraram interesse pela caneta. Apontou e discutiu cada uma das questões processuais que envolveram as hastas públicas.
 

O leilão foi realizado com grande público. Após intensa disputa entre vários interessados, minha querida caneta foi vendida por 120.000,00 Denários a um abastado desconhecido.
 

A casa de leilões tinha mais de 60 anos e sabia o que fazia.
 

Pago o preço e a comissão da eficiente casa de leilões (não esqueçamos disto jamais!), a Juíza que presidiu as hastas públicas decidiu o destino dos 120.000,00 Denários apurados. 

Ou seja, promoveu ao denominado ''julgamento do concurso de credores".
 

Ao final, determinou que fossem pagos os credores trabalhistas, o Fisco, o banco credor hipotecário e, por fim, Cosette.
 

Inclusive me devolveu pequeno saldo porque após todos os credores serem pagos ainda sobrou algum dinheiro.
 

O feliz arrematante recebeu a "carta de arrematação" e o "mandado de imissão" capazes de lhe garantir a propriedade e a posse da caneta livres de ônus ou problemas.

E acrescentou à sua coleção a antiga caneta de um fanático e arrependido torcedor."

E então, foi possível entender um pouco melhor o que fazemos ?

 

Ah, nunca é demais recordar: essa história é pura ficção, qualquer semelhança com nomes, personagens, fatos, locais ou chihuahuas é mera coincidência.

 

Roberto dos Reis Junior, abril/2021

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